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Notícia
Pandemia de coronavírus leva a mudança de ritos funerários e da forma como os brasileiros vivenciam o luto 03/06/2020

Na madrugada de 10 de abril, Eromar Boz, de 55 anos, e o marido acordaram com um telefonema do hospital em que o filho Diego Boz estava internado com o novo coronavírus em Osasco, na Grande São Paulo. “Quando o telefone tocou, eu já sabia que tinha acontecido”, diz a mãe. “Em uma semana ele se foi. Ele simplesmente adoeceu e se foi”.

Com a proibição de funerais em São Paulo de vítimas da Covid-19 por causa do risco de contaminação, Eromar e o marido se despediram do filho, de 27 anos, no estacionamento do crematório. “Recebi meu filho dentro de um caixão lacrado, não pude ver o corpo. Do hospital, fomos direto para o crematório. Lá, o motorista do carro funerário deixou a gente se aproximar do porta-malas onde estava o caixão para fazermos uma prece rápida. Nos despedimos dele assim”, lembra Eromar.

As tradições de despedida e de homenagem aos mortos, presentes no mundo há milhares de anos, têm sido desestruturadas pela epidemia do novo coronavírus. “A gente sentiu não poder fazer um velório. Não só a gente, mas toda a família e os amigos do Diego. Qual é o pai e a mãe que não quer se despedir do próprio filho?”, se questiona Eromar.

A psicóloga Renata de Morais Machado, pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a impossibilidade de realizar rituais funerários leva a pessoa em luto a fazer "um esforço maior para elaborar essa perda. Ela pode experimentar uma sensação mais intensa e/ou mais duradoura do luto”.

Isso acontece porque, segundo a neuropsicóloga Daniela Bernardes, especialista em desenvolvimento humano, ser privado dos rituais funerários praticados culturalmente pode "dificultar a aceitação da morte" pelos enlutados. "Nosso ritos culturais estabelecidos socialmente [ver o corpo, velar e enterrar] dão 'passagem', 'autorizam a partida' do ente querido de certa forma, o que auxilia no enfrentamento da nova realidade. Após esses rituais, nos autorizamos a pensar: 'a partir desse momento, ele/ela não estará mais aqui'", explica Bernardes.

“Ainda que não seja possível se despedir do ente querido nos moldes da cultura em que estamos inseridos, podemos criar novos rituais que façam sentido para cada cultura familiar ou comunitária para demarcar essa passagem”, aponta a psicóloga da UFRJ.

O adeus virtual

Homero Gonzaga morreu recentemente aos 92 anos, em São Paulo. Não foi vítima da Covid-19, mas a pandemia afetou a forma como a família se reuniu para o momento de despedida. O velório teve duração e presença de pessoas limitadas. “Durou das 9h às 11h e só nós da família, umas 10 pessoas. Estava todo mundo de máscara e com um metro de distância um do outro”, conta a neta, Julia Gonzaga, de 25 anos. “Foi um velório bem esquisito, não teve abraços.”

Pouco antes do avô morrer, Julia conheceu na internet um guia que ensina como planejar e fazer uma espécie de velório on-line. “Depois do velório para poucas pessoas, eu liguei para toda a família e convidei a fazer uma celebração virtual em memória do avô e de outros familiares que tinham morrido recentemente”, diz a neta. 

A família se reuniu por cerca de duas horas na plataforma de bate-papo virtual Zoom. Primos que moram distante e não puderam ir ao velório do avô participaram da cerimônia virtual. “Trouxemos memórias, vídeos, fotos, uma tia escreveu um texto e eu apresentei uma música. Foi uma coisa inédita na família, mas foi bem bacana e bonito”, conta Julia.

Os memoriais on-line são outras modalidades de rituais funerários surgidos durante a pandemia e que podem ajudar as famílias no processo de luto, segundo a médica e antropóloga Rachel Aisengart Menezes, professora da UFRJ. Ela cita como exemplo a página no Instagram Reliquia.rum, que homenageia brasileiras que morreram por coronavírus.


Velar é humanizar

Os rituais funerários são tão importantes para a história da humanidade que são considerados na antropologia um dos marcadores de evolução do primata para o homo sapiens de hoje, afirma Menezes.“Há registros de polens de flores encontrados junto aos restos esqueletais de pré-homo sapiens. No Brasil, os lugares de enterros mais antigos datam de mais de 12 mil anos”, exemplifica a professora da UFRJ.

Sem receber visitas, pacientes usam videochamada para falar com a família. Para alguns, é uma despedida

Já na psicologia, segundo Renata de Morais Machado, da UFRJ, “os velórios têm o papel de ajudar os vivos a vivenciar e superar a morte [de um ente querido]”. Assim como também tem uma função social: informar a mudança do status social dos enlutados - de filho a órfão, de esposa à viúva etc - e reforçar os laços de uma comunidade.

Assim, mais que uma destinação ao corpo e ao espírito ou alma do morto, segundo algumas crenças, “os velórios comunicam aquela perda à sociedade, possibilitam um tempo e espaço para que os enlutados fechem um ciclo e se despeçam do falecido, ao mesmo tempo em que proporcionam espaço para a partilha de emoções [entre os presentes]”, diz Machado.


Como dar suporte ao enlutado no isolamento

“A ausência de contato físico entre os enlutados e seu círculo de sociabilidade provavelmente produzirá novas formas de interiorização da perda e de elaboração do luto”, defende Menezes. Os efeitos do isolamento social durante a despedida e o luto, porém, serão percebidas somente “daqui a um tempo”, diz a antropóloga.

Apesar de não podermos dar um abraço ou fazer uma visita aos que passam pelo luto durante a pandemia, podemos demonstrar carinho e afeto aos amigos e parentes que enfrentam um processo de luto.É o que defende o projeto Vamos Falar Sobre o Luto, existente há cinco anos, que lançou em abril a cartilha Novos Rituais do Luto em Tempos de Distanciamento Físico. “Estar presente fisicamente na vida do enlutado talvez não seja possível, mas o carinho, a atenção e a presença podem acontecer de outras formas”, informa a cartilha.

Estas “outras formas”, segundo o projeto, podem ser:

Marcar eventos virtuais para que familiares e amigos compartilhem sentimentos, leiam cartas de despedida e relembrem histórias do ente que morreu

Fazer orações e preces coletivas em videochamadas

Mandar uma comida que a pessoa que vive o luto goste muito por serviço de entregas

Ligue, envie mensagens ou e-mail para manifestar sua presença e apoio ao enlutado

Além da cartilha, o Vamos Falar Sobre o Luto tem uma lista de grupos on-line de apoio ao luto, além de um vasto material sobre como enfrentar o processo e como oferecer ajuda a um amigo ou familiar enlutado.

A cartilha lembra, contudo, que também existem famílias que preferem não fazer nada neste momento de isolamento.

É o caso da Eromar e sua família, por exemplo, que preferiram “ficar em paz”, como descreve a mãe. Porém, a família pretende realizar despedidas tradicionais ao filho Diego quando a pandemia acabar. “Quando tudo isso passar, faremos uma missa para poder reunir amigos e parentes, que estão nos pedindo esse momento de reunião”, planeja Eromar. “Também vamos jogar as cinzas do meu filho no mar, na Baixada Santista, lugar que ele gostava de ir."


Por Laís Modelli, G1